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sexta-feira, 7 de março de 2014

A AOFA, os oficiais e a política

No último encontro de oficiais realizado no ISCTE um dos temas mais debatidos e aquele que terá gerado maior controvérsia foi a definição do âmbito dos assuntos que devem estar no centro das preocupações da AOFA e serem objeto das suas posições públicas.
A questão colocada é se a AOFA tem legitimidade para se “meter em política” ou se a sua ação deverá incidir exclusivamente nos assuntos socioprofissionais dos militares e dos oficiais em particular.
Desde então têm sido inúmeras as opiniões que me chegaram. Naturalmente refletindo opiniões muito diversificadas, umas apontando num sentido e outras no seu oposto.
Em muitas dessas opiniões, parece-me persistirem alguns equívocos. Tanto na vertente dos conceitos como na sua aplicação.
Talvez por ser excessivamente desconfiado, fico de pé atrás quando me dizem que tal ou tal instituição não se deve meter em política. Porque o mero ato de respirar tem uma componente política. Tudo é político e todos os cidadãos têm o direito e o dever de se pronunciarem sobre o que direta ou indiretamente lhes diz respeito.
Os que conscientemente defendem essa tese, estão na realidade a afirmar que a política é assunto para uns poucos e que a maioria deverá deixar isso para os “entendidos”. Sabe-se onde é que esta teoria vai levar!
Assim, em termos teóricos, não se me oferecem quaisquer dúvidas que a AOFA tem o direito de se pronunciar sobre política e qualquer discussão deve ter como base esta premissa.
O que se pode discutir é quais as áreas da política em que é legítimo e vantajoso que a AOFA se pronuncie.
Desde logo há áreas da política que por lei, estão vedadas à tomada de posições públicas da AOFA. Por exemplo, a política partidária ou sindical. 
Mas há outras áreas da política que são a razão de ser da AOFA. São os assuntos socioprofissionais e os relacionados com a Instituição Militar (com exceções como a área operacional, entre outras). Hoje, felizmente, a legislação portuguesa é bem clara sobre estes aspetos.
É minha convicção que a AOFA tem o direito de se pronunciar sobre questões de política geral. Nada consta na lei que determine o contrário. Já não estou assim tão convicto se o exercício desse direito é vantajoso ou não.
Concordo com os defensores de uma AOFA virada essencialmente (mas nunca exclusivamente) para os assuntos socioprofissionais. De acordo com os seus Estatutos, é esse o seu objeto social e uma atração excessiva pelos assuntos de política geral não diretamente ligados à comunidade castrense, apenas pode originar clivagens debilitadoras da eficácia da sua ação e prejudicial para os interesses dos oficiais.
Se há áreas em que é legítimo uma atitude firme e pública das associações socioprofissionais dos militares é na exigência de haver respeito mútuo nas suas relações com o poder político. Infelizmente todos sabemos que isso não tem acontecido. As humilhações e vexames atentatórios da dignidade a que todos temos direito, enquanto cidadãos e militares, têm sido uma constante na ação dos sucessivos executivos governamentais dos últimos 25 anos. E em muitos casos nem sequer há questões económicas envolvidas e não se resumem a aspetos socioprofissionais. Fica a ideia, que os setores que hoje detêm o poder político em Portugal, se comportam com um profundo ressabiamento para com os militares, porque estes fizeram o 25 de abril de 1974!
É também legítimo que os militares se preocupem com a independência nacional, ou melhor, a falta dela, porque essa questão está diretamente ligada à sua missão fundamental e ao juramento que fizeram. Portugal tem mais de 800 anos de história, assente no sacrifício da própria vida de muitos milhares de portugueses de todas as gerações e não devemos aceitar que esta se desvaneça ou desapareça por decisões de bastidores frequentados exclusivamente pelas elites. Noto que nas maiores crises da nossa história, essas elites optaram invariavelmente pelo lado dos agressores (muitas vezes externos), contra as populações (ou arraia miúda, como o cronista Fernão Lopes lhes chamou).
Estou seguro que uma esmagadora maioria dos oficiais, sócios ou não da AOFA subscreve as críticas a um vasto conjunto de critérios e ação política observados pelos últimos governos, tais como o BPN, as PPP, a corrupção que grassa em certos meios muito poderosos, as mordomias de que alguns beneficiam em larga escala ao arrepio do aumento generalizado da pobreza e outros.
Mas estes temas não devem ser motivo para a AOFA lhes dar um tratamento público. Outros com maior legitimidade o farão.
Questões como o perfil do Presidente da República ou outras deverão ser preocupações dos civis e não dos militares enquanto tal. Já quando o Comandante Supremo das Forças Armadas, como acontece com o atual, não se assume, é conivente com a generalidade das frequentes sevícias que os seus comandados têm sido vítimas, não dialoga com as associações socioprofissionais e alheia-se das vilanias a que a Instituição Militar tem estado sujeita, uma crítica pública da AOFA, é não só legítima, como constitui mesmo um elementar dever.
São as questões relacionadas com os militares e a sua componente socioprofissional, a Instituição Militar e as suas missões, que nos distinguem de uma qualquer agremiação civil. É aí que a AOFA deverá incidir a sua ação, o que permitirá reforçar a união dos oficiais, tornando-os numa força temível que deve ser tida em conta nas decisões que os afetam.
Na minha modesta opinião a AOFA deverá ter como preocupação central a mobilização dos oficiais em torno dos seus legítimos interesses, sendo essencial que se abstraia de qualquer ideologia política seja ela das oposições ou do governo. O combate político deve-se manifestar quando estiverem em causa os interesses dos militares, dos oficiais e da Instituição Militar.
Se a condução da política se rege pela “arte do possível”, depende de nós e da nossa determinação para que as decisões que o poder político venha a tomar, não nos sejam prejudiciais. Porque discordo profundamente quando se diz que os políticos “têm a faca e o queijo na mão”. Os militares e os oficiais em particular dispõem de um enorme potencial político que não têm sabido utilizar. E o que há a fazer não é nada muito complicado. Apenas terão de se movimentar em massa, no estrito respeito pela legislação em vigor.
A AOFA é a única instituição constituída por oficiais das Forças Armadas, com capacidade legal e institucional para liderar estas movimentações. Penso que no essencial o tem feito. Compete agora a cada um dos oficiais decidir o que fazer. Ou defender ativamente os seus direitos, ou ficar nas encolhas e esperar que as coisas lhes caiam do céu.
Vão ter essa oportunidade já no próximo dia 15 no Desfile da Família Militar que em bom tempo, a AOFA e as outras associações de militares, marcaram para o Largo Camões.

Cte Fernandes Torres

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