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segunda-feira, 14 de julho de 2014

A tabela remuneratória única da administração pública e os militares

A tabela remuneratória única da administração pública e os militares

( Tenente-General Mário Cabrita )


Está em discussão a tabela remuneratória única da administração pública (TRU). O Governo tem feito dos trabalhadores da função pública (FP) um dos grandes culpados pela crise que se vive em Portugal e, como tal, merecedores de serem penalizados por essa condição. Além dos cortes, teima em nivelar por baixo as diferentes profissões integradas na FP e é com apreensão que aguardamos o modo como a tabela irá ser imposta às Forças Armadas (FA) e às forças de segurança (FS). Apesar de tudo, esperamos que o Governo tenha o bom senso de não considerar como igual o que é desigual. A FP agrupa um conjunto de profissões que continuam a ser a espinha dorsal que mantém o Estado vivo e de pé, de onde sobressaem, pelas suas especificidades, as FA e as FS. Nestas, a Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR), é forçoso salientar esta última, dado o seu carácter militar.
Quando há meses o Governo decretou a semana de trabalho de 40 horas, os elementos das FA e das FS sentiram-se ofendidos, porque o normal é cumprirem 50/60 horas por semana. Teria sido um ato de gestão acertado do Governo se tivesse feito uma discriminação positiva destes homens e mulheres, reconhecendo que as suas funções os obrigam a ultrapassar esse padrão temporal e, desde logo, a assumir que as FA e as FS são diferentes das outras profissões. Não o fez e não esteve bem.
Imaginemos uma empresa com 22 mil colaboradores, 630 balcões de atendimento, uma frota de transportes de 4850 viaturas, 930 motos e 70 embarcações, um efetivo animal de 455 cavalos e 260 cães, um orçamento executável anual médio de 870 milhões de euros e que seja responsável, em regime de monopólio, por um bem essencial à sobrevivência do Estado em 94% do território continental. Qual deverá ser a remuneração-base do seu presidente? 30 mil euroeuros por mês? 20 mil euros? Esta empresa, supostamente fictícia, é a GNR e o seu comandante tem a remuneração-base de 4857,41euro euros. A título informativo, e para desfazer alguns mitos, esclarece--se que nas FA somente os três chefes de Estado-Maior dos ramos e o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) têm uma remuneração um pouco superior e que este último é o cargo de topo das FA. Atentemos em algumas categorias profissionais, que nos eximimos de identificar, integradas nos ministérios da Justiça, da Saúde e da Educação, e que há anos usufruíam de vencimentos equiparados aos dos postos cimeiros da hierarquia militar. Quantos são esses profissionais? Centenas? Não, são milhares! Não está em causa a nobreza e a importância das suas funções, muito menos a forma digna como as exercem. Mas não deixa de ser frustrante para os militares ver que hoje todos eles têm uma remuneração-base bem mais elevada daquela que o CEMGFA aufere, que é apenas um (1) e que só atinge este cargo com sessenta ou mais anos. Mas voltemos à GNR ou à PSP. 85% do seu efetivo tem uma remuneração-base média de 950 euros. Será que é o valor justo para quem tem o horário laboral já citado, sendo essas horas feitas por turnos, de dia ou de noite, ao frio, ao sol e à chuva? Onde o risco é constante, seja numa operação stop, na detenção de um perigoso meliante, na abordagem a uma viatura suspeita, na perseguição a um assaltante, ou na resolução de um problema de violência doméstica; onde o stress acumulado leva, muitas vezes, à doença e ao desespero e, sempre, a disfunções familiares, ao envelhecimento precoce e a uma esperança média de vida de quase dez anos inferior à média nacional. E diariamente há feridos e por vezes mortos, para garantir a segurança do cidadão e do Estado. 950 euro euros será a retribuição adequada para compensar este perigo permanente em que o espectro da morte está sempre presente? E, a propósito, quantos desses profissionais que têm uma remuneração-base bem superior à dos militares já arriscaram a vida, foram feridos ou faleceram no exercício das suas funções? As Forças Armadas e as forças de segurança não pretendem um tratamento de exceção ou de privilégio na aplicação da TRU. Contudo, esperam que sejam tidas em consideração as suas singularidades, sobretudo o risco e a penosidade que as acompanham a todo o momento.
Reconhecemos que há outras profissões que também enfrentam situações difíceis, mas previsíveis. Pelo contrário, os militares nunca têm conhecimento do perigo que os espera, nem quando, onde e como ele se vai manifestar. Acresce que a profissão militar é a única que estatutariamente e em cerimónia pública jura defender a Constituição da República e dar a vida pela Pátria e pelos portugueses. E dá-a.
Senhor primeiro-ministro
Sabe, com certeza, que, aconteça o que acontecer em relação à TRU, as FA e as FS continuarão a cumprir a sua missão com o empenho, a dedicação e a eficiência com que o têm feito até aqui. Mas certamente compreenderá que estas mulheres e estes homens ficarão cientes de quem está com eles e de quem não está, de quem valoriza o seu trabalho e de quem o minimiza. Apesar de tudo, e em nome do povo, da democracia e da soberania nacional, pode continuar a contar com eles...

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