Dois Contra-Almirantes, Seis Capitães-de-Mar-e-Guerra e dois Capitães-de-Fragata, todos eles intervenientes no processo, contam, em detalhe, o que se passou efectivamente no dia 25 de Abril de 1974 com a Fragata Gago Coutinho
FRAGATA “GAGO
COUTINHO”
Esclarecimentos
necessários
Foram recentemente expendidos por parte dos filhos do Comandante Seixas
Louçã, António e Francisco, pressupostos e interpretações referentes às
decisões e opções do comandante, do imediato e dos oficiais da fragata “Gago Coutinho”, bem como aos factos
ocorridos no dia 25 de Abril de 1974.
Desnecessário será dizer que concordamos plenamente com toda a
investigação e difusão de materiais relativos aos acontecimentos que ocorreram
naquele dia histórico e, muito concretamente, que incidam sobre o planeamento e
o desenrolar das operações.
Nesse sentido, os documentos acima referidos poderiam ter constituído
mais um contributo para o conhecimento daquela realidade.
Contudo, a falta de objectividade e a forma descontextualizada e emotiva
de que eles se revestiram não prestaram,
em nossa opinião, o bom serviço que seguramente os autores visavam.
Dizemos que as peças em análise pecam por falta de objectividade porque
se limitam, no essencial, a apresentar a defesa de uma das personagens dos
acontecimentos; consideramo-las descontextualizadas porque remetem em grande
parte para situações que nada têm a ver com as poucas horas em que os
acontecimentos relativos ao N.R.P. “Gago Coutinho” se desenrolaram e estão na
base das intervenções dos filhos do respectivo Comandante; reputamo-las de
emotivas porque visam visivelmente a defesa de um familiar e não a análise
objectiva dos factos.
Se a defesa de um familiar é perfeitamente aceitável, ela tem, consabidamente,
um efeito perverso quando está em causa a procura da verdade histórica.
Gostaríamos de deixar perfeitamente claro que, em todo este processo,
jamais foi feita ou se pretendeu fazer qualquer apreciação pública da
personalidade do Comandante Seixas Louçã.
O que sempre se buscou esclarecer, analisar e testemunhar foram os factos
ocorridos a bordo do navio do comando daquele oficial no dia 25 de Abril de
1974.
Tal atitude decorre do princípio bem enraizado na Marinha de que a
apreciação das atitudes, comportamentos e personalidade de cada um dos seus
membros é uma questão do foro interno, e como tal tratada apenas no seio dos
membros da Instituição. É apenas a existência de
algumas omissões e inverdades nos escritos e declarações dos irmãos Louçã que
nos leva a abrir uma excepção a esse salutar princípio.
Explicitemos desde já que:
a) Recusamos ataques de carácter ou avaliações
subjectivas de personalidade e de intenções. Essa via não honraria nenhuma das
partes nem dignificaria seja a Marinha, sejam os intervenientes.
b) Rejeitamos a via das insinuações, conquanto
entendamos que o comandante, o imediato e os oficiais tiveram de enfrentar uma
situação imprevista e extremamente delicada.
c) Procuraremos respeitar a personalidade e o passado
dos intervenientes, sem contudo deixarmos de apontar os respectivos
compromissos e responsabilidades.
d) Não questionamos a honra e a dignidade seja de quem
for.
Deste modo, querem os signatários, todos
participantes nos acontecimentos do dia 25 de Abril de 1974, dar o seu testemunho
para a História do nosso País, narrando desapaixonadamente os factos em
que intervieram .
Assim sendo, fazemos o enquadramento histórico daquele dia, para a seguir
analisarmos os acontecimentos que tiveram lugar na fragata.
1 – Movimento dos jovens
oficiais de Marinha
O nosso movimento iniciou-se de forma organizada e estruturada em 1970.
Tinha objectivos políticos, na medida em que visava contribuir para o derrube
do regime e a instauração de um regime democrático. Expressava-se por três vias
e assumia diversas formas:
a) Legal,
em especial através do Clube Militar Naval (CMN), com acções muito anteriores a
1970. Desde 1968 que se manifestava uma intensa actividade no Clube, da qual
beneficiámos;
b)
Semilegal, que se concretizou no movimento dos cursos
de oficiais subalternos da Escola Naval (EN), o qual veio a ser proibido pelo
despacho nº 115, de 1972, do ministro da Marinha e, também, através de outras
iniciativas, tais como abaixo-assinados de solidariedade para com camaradas
objecto de acusações políticas ou mesmo contra a PIDE/DGS;
c)
Estrutura clandestina de jovens oficiais, que se
articulou com sargentos e praças, preparou textos políticos e contribuiu para a
elaboração do Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA).
Levámos a cabo muitas acções. Estabelecemos contactos com dezenas de
oficiais superiores. Com alguns criámos mesmo ligações permanentes a título
pessoal. Foram, entre outros, os casos do Comandante Pinheiro de Azevedo com
quem mantivemos contacto regular desde 1972, dos Comandantes Dias Martins,
Ramos Rocha, Silvano Ribeiro, Machado e Moura, Freire Montez, Martins e Silva,
Rosa Coutinho, Correia Jesuíno, Silva Figueiredo, Mário de Aguiar e Vieira
Nunes; dos Comodoros Eduardo Scarlatti e Ivens Ferraz de Carvalho; dos
Engenheiros Navais Ferreira Onofre, Martins Nabais, Lemos Pinheiro, Silva Nunes
e Costa Delgado; e dos Médicos Navais Silva Maçanita e Vieira dos Santos.
Outros oficiais superiores nos contactaram e alguns colaboraram em acções
nossas, nomeadamente no CMN e nos abaixo-assinados ou em apoios de
solidariedade e conselho. Poderíamos indicar mais algumas dezenas; citaremos em
especial o Comandante Ramos Rocha, conhecido como oposicionista ao regime, que
era amigo e pertencia ao curso do Comandante Seixas Louçã. Registe-se, inclusivamente,
que numa dada ocasião de contacto do nosso elemento Tenente Simões Teles com o
Comandante Ramos Rocha estava com este o Comandante Seixas Louçã, que
participou também na conversa.
Tivemos várias entrevistas com o ministro da Marinha.
Alguns dos nossos textos eram divulgados pelas unidades navais e no CMN.
Os textos dos abaixo-assinados tinham um claro fundo e significado políticos. O
texto contra a PIDE/DGS constitui um eloquente exemplo.
O despacho nº 115 do ministro da Marinha, que proibia o movimento dos
cursos da EN, foi publicado em Ordem da Armada e não é crível que tenha sido
ignorado por nenhum oficial com interesse e sensibilidade política.
Quando surgiu o movimento dos capitães, as nossas estruturas semilegal e
clandestina restruturaram-se para incluir mais camaradas, sendo alguns deles
oficiais superiores, que se reuniram e organizaram connosco, obedecendo a
regras de respeito pelas decisões tomadas por processos democráticos.
Reformulámos então a nossa estrutura e a composição dos órgãos de
decisão.
Quando em Março de 1974 um camarada colocou a questão de “integração” de
outros oficiais superiores (sem indicação de nomes) decidimos,
democraticamente, que naquela fase, dada a proximidade de uma possível acção
militar, tal não seria conveniente, sem prejuízo de cada um de nós manter as
ligações já existentes.
É fácil compreender a razão pela qual optámos por não integrar naquele
momento mais oficiais superiores na estrutura “fechada”:
-
Naturalmente, por razões de segurança, tínhamos conhecimento de situações do
passado que não aconselhavam tal integração;
-
Acresce que não seria correcto atribuir-lhes funções, tarefas ou
responsabilidades menores. Por outro lado, confiar-lhes responsabilidades de
topo e submetê-los ao nosso processo de decisão não era adequado nem seguro,
nem se coadunava com a consideração e prestígio devidos à sua posição
hierárquica;
- O tempo corria veloz, não
havendo tempo para ajustamentos e aprendizagens mútuas;
A nossa via natural de aproximação
e integração era o CMN, que, à época, tinha como Presidente o Comandante
Pinheiro de Azevedo. Quem quisesse aproximar-se e colaborar tinha ali essa
possibilidade. Foi o que sucedeu em diferentes momentos com vários camaradas.
Fizemos circular os documentos do Movimento dos Capitães. O seu sentido
político, sobretudo depois da reunião de Cascais em 5 de Março, era claro.
A 13 de Março de 1974 fizemos uma reunião de 130 oficiais no CMN,
aprovando uma moção de solidariedade aos capitães e declarando a nossa posição
de “neutralidade activa” para um futuro movimento militar, que foi posta à
prova, três dias depois, a 16 de Março, no Grupo nº 1 de Escolas da Armada
(G1EA), em Vila Franca
de Xira.
O Comandante desta unidade recebeu ordem para interceptar a coluna das
Caldas, constituindo-se uma força para o efeito, que foi por nós controlada.
Esta força deslocou-se para as proximidades da auto-estrada, mas não opôs
qualquer resistência à passagem da coluna das Caldas.
2 - Missão Militar do
Movimento da Marinha no 25 de Abril (de notar que existiu também uma missão
política)
O que nos foi pedido para o 25 de Abril pelo Comando Operacional foi que
garantíssemos a neutralização de quaisquer acções ou forças da Marinha que o
regime enviasse contra o Movimento. Foi esse o nosso compromisso.
Quando verificámos, dois dias antes, que a PIDE/DGS não constava como
objectivo militar, apresentámos as nossas objecções e protestos. Ficou aberto à
nossa iniciativa tal objectivo, e para isso contactámos a única unidade que
estava preparada para acção militar em terra, um destacamento de Fuzileiros
prestes a embarcar para Moçambique.
Só neste caso equacionámos a utilização, por nossa iniciativa, de uma
unidade militar da Marinha no dia 25 de Abril. Relativamente a todas as outras,
especialmente navios, tratava-se de os neutralizar caso fosse emanada alguma
ordem superior para serem utilizados contra o Movimento Militar.
Essa instrução foi passada, dias antes, aos oficiais do nosso Movimento
nas diversas unidades: se fossem constituídas forças em terra ou forças de
desembarque, deveríamos assumir o seu comando ou controlo, como se fizera em
Vila Franca de Xira no dia 16 de Março, mas se houvesse tentativa de fazer sair
navios, estes deveriam ser neutralizados conforme as circunstâncias.
Não equacionámos a possibilidade de fazer intervir uma unidade naval em
acções ofensivas dirigidas contra o regime e, por isso não houve qualquer
orientação no sentido de aliciar ou “ganhar” comandantes de navios para tal
efeito.
A ordem de operações militares do 25 de Abril não foi divulgada aos
camaradas dos navios ou dos Grupos de Escolas, mas apenas entregue ao
Comandante da Força de Fuzileiros, única unidade que se previa poder vir a
intervir por nossa iniciativa.
Os oficiais da Fragata “Gago Coutinho” não conheciam a ordem de
operações. Conheciam, apenas, o compromisso que o Movimento da Marinha havia
assumido com os camaradas do Exército e tinham instruções para actuar se
necessário.
O oficial imediato da “Gago Coutinho” estava plenamente consciente disso.
Tinha de agir após as ordens emitidas pelo Estado-Maior da Armada (EMA) e pelo
Vice-Chefe do Estado-Maior da Armada (Vice-CEMA), mandando o navio destacar da
Força NATO e integrar a manobra conjunta com os carros de combate da Ajuda a
fim de combater os “rebeldes”, disparando sobre o Terreiro do Paço.
O Governo, através de forças de Cavalaria 7, Lanceiros 2, da Marinha e da
GNR, ordenou uma contra-ofensiva visando as forças revoltosas do Movimento
Militar que se encontravam no Terreiro do Paço.
A hierarquia da Marinha esforçou-se por marcar posição ao lado do
Governo; tentou mobilizar forças na Base Naval de Lisboa (BNL),
sem sucesso, e contactou a Força de Fuzileiros do Continente, sem resultado.
“Agarrou-se”, assim, à Fragata “Gago Coutinho” como peça essencial para
manifestar apoio à posição do Governo.
Não estava previsto que as Fragatas “Gago Coutinho” ou “Sacadura Cabral”
viessem a ser envolvidas na acção do 25 de Abril, embora nos preocupasse a
presença da Força NATO no Tejo.
Nem os seus comandantes nem os de outras unidades navais tinham de ser
informados da acção militar se antes não tivessem manifestado alguma
disponibilidade para isso.
Se necessário, seriam informados no decorrer da acção.
O Comandante da fragata “Sacadura Cabral”, informado pelo oficial de
serviço do compromisso de “neutralidade activa” da Marinha, aceitou a
informação; resolveu-se o problema comunicando ao comando superior que o navio
não podia sair por limitações operacionais.
O Comandante da “Gago Coutinho” rejeitou a informação que o oficial
imediato lhe pretendia transmitir.
Igualmente, quanto à ideia manifestada de constituição de uma força de
desembarque na BNL a partir dos navios, o Comando Naval do Continente — Chefe
do Estado-Maior — foi informado pelo oficial de serviço mais antigo que tal não
era possível. a informação foi
aceite e não houve mais ordens nesse sentido. Este Comando Naval conseguiu
sacudir a pressão do Estado-Maior da Armada (EMA), o mesmo sucedendo com o
Comandante da Força de Fuzileiros, que tinha ordenado a saída dum destacamento
para ocupação da rua António Maria Cardoso e da sede da PIDE/DGS.
Imaginar que a actuação na Marinha deveria ter sido idêntica à do
Exército é não ter presentes duas diferenças essenciais, já que
a)
As missões eram bem diferentes:
No
Exército as unidades tinham de sair. Os comandantes ou concordavam ou eram
presos; na Marinha as unidades seriam neutralizadas se recebessem ordens para
actuar contra o Movimento. Não seria necessário prender ou destituir os
comandantes, bastando impedir qualquer acção ofensiva, caso fosse dada ordem
nesse sentido;
b)
As culturas dos Ramos são bem distintas, sendo-o
igualmente as suas formas de actuação:
Um navio não é como uma companhia em terra ou mesmo um esquadrão de
cavalaria. Pode atingir-se o objectivo de não intervenção sem entrar em choque
frontal com o comandante. A atestá-lo está o facto de isso ter sido conseguido,
sem dificuldade, no G1EA, em Vila Franca de Xira, em 16 de Março de 1974, bem
como na BNL e na Fragata “Sacadura Cabral”, em 25 de Abril de 1974.
3 - Posição política
anti-salazarista do Comandante Seixas Louçã
Tal posição não era conhecida dos jovens oficiais da Armada do Quadro
Permanente.
Tivemos, desde 1970, a preocupação de ir referenciando os oficiais
superiores que manifestavam posições contrárias ao regime com alguma
consistência e não apenas em discordâncias de ordem circunstancial.
Sobre o Comandante Seixas Louçã não nos chegou qualquer indicação nesse
sentido. Tínhamos conhecimento, isso sim, de que na Guiné fora capaz de fazer
frente ao General Spínola. Tal atitude foi por nós apreciada num sentido muito
positivo, mas também sabíamos que era um homem de trato bastante difícil em
serviço.
Foi-nos dito, já depois de 1974, que o Comandante Seixas Louçã, antes do
25 de Abril, manifestou mais de uma vez aos oficiais da Reserva Naval a sua
aversão à PIDE e ao regime, tendo aceitado discutir ideias políticas com alguns
deles.
Pena foi que não assumisse idêntica atitude com os jovens oficiais do
Quadro Permanente, nem os tenha procurado no CMN, nem sequer haja criado no
navio um ambiente favorável a esse tipo de conversa. Pelo contrário, as
referências que fez ao Movimento dos Capitães ou à reunião no CMN, ocorrida a
13 de Março de 1974, foram de carácter bastante depreciativo.
4 – Falta de informação do
Comandante Seixas Louçã
Vejamos agora as alegações concretas de o Comandante Louçã não ter
elementos para avaliar a situação política e o sentido da acção dos revoltosos
no 25 de Abril de 1974.
Tratando-se de alguém com formação e cultura políticas por certo mais
consolidadas que as de muitos jovens oficiais, como oposicionista ao regime conhecia outros
oposicionistas, nomeadamente o Comandante Ramos Rocha e outros camaradas do seu
tempo de Escola Naval que tinham contacto connosco. Compreende-se dificilmente
que não tenha sabido ou querido fazer a leitura política do Movimento dos
Capitães e do Movimento na Marinha, que decorria havia 4 anos e cuja existência
não podia ignorar. Porque não se informou com algum detalhe junto de camaradas
do seu tempo de Escola Naval que conheciam as suas inclinações políticas? A sua
conversa com o Comandante Ramos Rocha e o nosso enviado, Tenente Simões Teles
revela que teve algum conhecimento do que se passava. É verdade que esteve dois
anos em comissão na Guiné e que estava embarcado havia 18 meses, mas teria
certamente tido várias oportunidades para se informar melhor, se considerasse
isso importante.
Se deu ouvidos e tomou nota dos rumores sobre os movimentos do General
Kaúlza de Arriaga, que o Movimento dos Capitães denunciou e, praticamente,
matou à nascença, não poderia deixar de anotar a denúncia feita e os documentos
elaborados, nomeadamente o dirigido às Forças Armadas e à Nação no início de
Março de 1974. Em contrapartida, o seu camarada e amigo, Comandante Rosa
Coutinho, que entre Fevereiro e Março esteve com o navio que comandava nos
mares da Escócia, apercebeu-se facilmente do que se passava quando regressou.
Alegam os filhos do Comandante Louçã que ele admitiu que o Movimento dos
Capitães e a capacidade de actuação de Generais Spínola e Costa Gomes tinham
morrido com o levantamento das Caldas.
Se assim foi, equivocou-se na sua análise. Pelo contrário, o levantamento
das Caldas acelerou o processo do derrube militar do regime e foi só depois
disso que contactámos o Comodoro Ivens Ferraz de Carvalho para vir a ser nosso
representante numa possível Junta Militar.
É provável que o Comandante Seixas Louçã tenha subvalorizado a capacidade
política e militar dos capitães e dos jovens oficiais de Marinha. Ou não
corresponderiam às suas formas e/ou experiências de acção passada, ou não lhes
atribuiria a devida importância.
Não temos qualquer responsabilidade nessa sua avaliação. Compreendemos
que albergasse dúvidas sobre os desígnios do General Spínola, pois nós também
as tínhamos. Teria sido fácil o nosso entendimento, quanto mais não fosse
através de uma ligação pessoal de alguém em quem confiasse, mas esse passo
deveria ter ocorrido por iniciativa do Comandante Seixas Louçã.
De facto, não conhecíamos o seu posicionamento político como o conheciam
alguns dos oficiais da Reserva Naval; se antes ou durante o 25 de Abril o
Comandante Seixas Louçã sentiu falta de informação, isso resultou da sua forma
de actuação e foi da sua responsabilidade.
Mas, concretamente, porque não foi o Comandante Louçã informado mais cedo
da revolução que se desenrolava?
1) Diz
o, então, Tenente Teles Palhinha: “…a
maneira de ser do Comandante, alternando momentos, disposições diferentes, não
imprimia uma certa regularidade nas relações”.[1]
2)
E, acrescenta o Tenente Teixeira: “o feitio do Comandante não facilitava as
relações humanas, nem a abertura suficiente para troca de pontos de vista”.[2]
3)
Finalmente, os
Tenentes Ferreira Duarte, Alves Gaspar, Teixeira de Melo e Hélder Loureiro,
fazem "declarações praticamente
convergentes quando dizem que as relações com o Comandante não eram fáceis,
dado o seu feitio e do qual resultaria uma abertura insuficiente para permitir
que os oficiais expusessem os seus pontos de vista, particularmente quando
diferentes dos do Comandante”. [3]
4) Destes,
o Tenente Gaspar, que, como chefe do Serviço de Navegação, teria bastante
contacto com o Comandante, por inerência das suas funções, acrescentou mesmo
que “o Comandante era uma pessoa doente,
doença essa que o levava a ser absolutamente intratável em certas ocasiões”.[4]
5)
Acresce que, ao saber da reunião de oficiais
realizada em 13 de Março de 1974 no CMN, na qual aqueles, por esmagadora
maioria, se solidarizaram com os seus camaradas do Exército contra as punições
que lhes foram impostas, o Comandante Louçã, na câmara de oficiais da fragata,
interrogou os presentes sobre se algum deles tinha sido um dos “Capitãezitos” que estiveram presentes
nessa reunião.
5 – Ambiente e disciplina a
bordo da Fragata “Gago Coutinho”
Analisemos, com alguma profundidade, o ambiente a bordo do navio e a
importância das relações humanas para a coesão da guarnição. As idades dos
oficiais oriundos da Escola Naval variavam entre os 28 e 22 anos; o oficial
imediato tinha 27. O Comandante tinha 51, mais 24 que o imediato, diferença
muito significativa que, naturalmente, dificultou que o oficial imediato fosse
o elo de ligação entre o Comandante e os oficiais da guarnição. De facto, o
oficial imediato, como previsto na lotação estabelecida para o navio, deveria
ser um Capitão-Tenente e, como tal, não seria do tempo da “escola” dos oficiais
mais antigos.
Vejamos, também, o momento em que cada um dos oficiais embarcou; verifica-se
que quando o Comandante Seixas Louçã assumiu o comando da Fragata, em Novembro de 1972, faziam já parte da guarnição os
Tenentes Silva Neves, desde Agosto 1972; Varela Castelo, desde Setembro de
1972; e, nos mesmos mês e ano, Caldeira Santos, o qual era à data o chefe de
Serviço de Artilharia.
É bom que se diga que o Comandante Seixas Louçã já tinha mudado de
imediato por duas vezes. O seu primeiro imediato, um Capitão-Tenente, excelente oficial, saiu do navio por
decisão pessoal e passou à reserva; o segundo imediato, também Capitão-Tenente,
esteve em funções apenas cerca de três meses e a sua substituição foi
solicitada pelo Comandante Seixas Louçã à Direcção do Serviço de Pessoal (DSP).
Por escala, a DSP convidou outro Capitão-Tenente para o efeito, sendo que esse
oficial declinou o convite pois já tinha
servido com o Comandante Seixas Louçã na Guiné e sabia que não se iriam
entender.
Não sabemos se o Comandante Seixas Louçã teve conhecimento directo deste
facto. O certo é que, perante este impasse, convidou para seu oficial imediato
o 1º Tenente Caldeira Santos, chefe de Serviço de Artilharia, que servia com
ele no navio há quase um ano.
A DSP aceitou a indicação e nomeou para chefe de Serviço de Artilharia do
navio o Tenente Dores Sousa, que embarcou em Outubro de 1973.
Há, portanto, alguns factos a reter:
- Caldeira Santos foi o terceiro imediato do Comandante Seixas Louçã num
período de 12 meses; especializado em Artilharia, conhecia bem todos os
sargentos e marinheiros do serviço de Artilharia, sabia perfeitamente como
actuar se fosse preciso neutralizar o armamento e tinha conhecimento de que não
existiam nem munições nem peças de salva a bordo, facto que o Comandante
parecia desconhecer.
- Foi o Comandante Seixas Louçã quem tomou a iniciativa de o convidar
para seu imediato. Conhecia-o bem, estavam embarcados no navio há cerca de um
ano, depositava confiança nele, sabia que era um oficial disciplinado e
exigente no serviço e estava consciente da proximidade de idades e anteriores
relações de serviço com os outros oficiais do navio, alguns do seu tempo de
Escola Naval.
Apesar das dificuldades eventualmente existentes na gestão de oficiais, a
responsabilidade desta opção e da escolha de um oficial imediato com uma tão
grande diferença de idade em relação ao comandante e excessiva proximidade
entre aquele e os oficiais da guarnição não pode deixar de ser atribuída ao
Comandante Seixas Louçã.
Na Fragata “Gago Coutinho” a disciplina, a eficiência e a
operacionalidade eram boas e o navio estava bem integrado na Força NATO.
Em parte, o nível conseguido nestes indicadores de prontidão do navio
seria mérito do comandante, do seu rigor e exigência. Porém a grande
quota-parte era mérito do imediato, oficial muito disciplinado e exigente, e
também dos oficiais, nas suas diversas áreas de competência.
Os oficiais não atribuem ao Comandante o elevado grau de operacionalidade
do navio; consideram-no de feitio difícil, sujeito a oscilações emocionais, que
se manifestavam por vezes durante as manobras do navio.
O dia 25 de Abril de 1974 não foi um dia normal. Ocorreu um movimento
militar que derrubou o regime antidemocrático existente. Não podemos apreciar o
que se passou na Fragata “Gago Coutinho” apenas em termos da normal relação
hierárquica e da normal cadeia de comando.
Para o imediato e para os oficiais estavam em causa outros valores além
da disciplina e da hierarquia; estava em causa um compromisso assumido com os
camaradas do Exército de que podia depender o êxito do Movimento Militar e a
libertação do País.
Sem deixar de garantir o cumprimento do compromisso assumido, mantiveram o
respeito pelo Comandante e pelas suas funções. Souberam actuar com lucidez e
moderação, assumindo todas as responsabilidades que aquele dia histórico lhes
exigiu.
Foi certamente por verificar que o 1º Tenente Caldeira Santos era muito
disciplinado, cumpridor e exigente no serviço que o Comandante Seixas Louçã o
convidou para imediato. Aliás, na informação semestral do 1º Tenente Caldeira
Santos escreveu: “…um excelente oficial,
correcto, com maturidade e integridade muito acima da média, colaborador inexcedível,
com espírito militar e merecedor de toda a confiança.”
Apesar disso, no dia 25 de Abril, o Comandante não quis ouvir o que o
Imediato lhe queria comunicar.
6 - Decisões e opções do Comandante
O Comandante
Louçã considerou que a sua actuação, no dia 25 de Abril, foi "... a mais adequada e a que lhe permitiu reter
sempre o comando do N.R.P. “Almirante Gago Coutinho” (sublinhado nosso), mercê da coragem revelada face aos riscos
que correu, e da flexibilidade posta na escolha de soluções para as mais
imprevistas situações".[5]
Ora, esta afirmação não é exacta se atentarmos
no relatório do oficial averiguante, Contra-Almirante Santos Silva, no auto que, conforme seu
pedido,[6] foi
levantado à sua actuação no dia 25 de Abril de 1974, onde se afirma: "Assim,
o Comandante que se encontrava alheio aos acontecimentos da Revolução, para
além dos imperativos de ordem militar que condicionaram a sua actuação viu-se
perante uma atitude dos oficiais que pela opção tomada - política, humanitária?-
passou a limitar-lhes os movimentos”. [7]
A ordem do “…Comandante
ao chefe de Serviço de Artilharia para serem dados uns tiros para o ar, com
munições de exercício.” [8] foi
desobedecida, quando o oficial imediato
“informou o Comandante de que os oficiais e ele próprio se recusavam a fazer
fogo”. [9]
Esta atitude do oficial Imediato foi corroborada não só pelo chefe de
Serviço de Artilharia, como também pelos restantes oficiais.[10]
De facto, não se verificou a execução da ordem, quer porque o Imediato
teria informado, primeiro, o Comandante dessa recusa, quer porque o chefe de
Serviço de Artilharia teria “inventado", depois, "problemas na artilharia",[11] facto que, sem que o
Comandante Louçã tivesse, sequer, procurado averiguar quais eram
especificamente e que peças afectavam, o levou a informar o Almirante Chefe do
Estado-Maior da Armada da existência de problemas na artilharia que impediriam
o cumprimento das ordens recebidas, embora sem justificar a natureza dos mesmos[12].
Na verdade, a
execução da ordem de fogo, em sentido estrito, só se verificaria quando e se o
chefe do Serviço de Artilharia mandasse dar fogo à peça, proferindo a expressão
consagrada “Fogo”!
A ordem de dar dois tiros para o ar só não foi executada mercê do
estratagema do chefe do Serviço de Artilharia de que
o Comandante, habilmente, se aproveitou, encontrando no "argumento” da «existência de
problemas de artilharia» a possibilidade de adiar a execução da ordem recebida
do Estado-Maior da Armada.
A recusa dos oficiais ao cumprimento da ordem de fogo dada garantiu a
segurança da guarnição e a integridade do navio
Os oficiais do navio souberam, assim, honrar o compromisso do Movimento
da Marinha com o Movimento Militar do Exército, contribuindo para a libertação
de Portugal e a instauração do regime democrático.
A actuação do oficial Imediato e dos oficiais do navio esteve em
conformidade com as instruções recebidas e foi a que melhor protegeu a
guarnição, salvaguardando os interesses da Marinha e do País.
Não nos pronunciamos acerca da coragem revelada pelo comandante face aos
riscos que correu, pois desconhecemos quais tenha corrido que não fossem comuns
a todos os elementos envolvidos.
Apreciemos, agora, algumas das decisões que o Comandante enumera na sua exposição:
a) “Decisão de colocar as peças em elevação
máxima…”[13]
Esta decisão, aliada ao facto de o navio
navegar frente ao Terreiro do Paço a elevada velocidade “…foi motivo de forte preocupação no posto de comando e sinal de que
qualquer coisa não estava a correr bem a bordo (quando e onde, é sinal de paz
pôr as peças em máxima elevação?). Nas forças do Exército o navio foi mesmo
considerado hostil e preparavam-se por isso para lhe fazer fogo”. [14]
Não sendo especializado
em Artilharia, o Comandante Louçã desconhecia
certamente que as peças na sua elevação máxima (85º)
mantém a capacidade de fazer fogo, só estando impossibilitadas de o fazer (por
segurança do próprio navio) quando na horizontal, isto é, na elevação zero.
Por tal motivo e “dado que continuava a evoluir em velocidade no local, e com as peças em
máxima elevação, foi-lhe transmitida ordem de baixar as peças (era um sinal
visível para as tropas do Terreiro do Paço que ainda não estavam muito seguras
da intenção do navio) e seguir para o mar”. [15]
As ordens dadas pelo EMA, Vice-CEMA e CEMA não foram amistosas; pelo
contrário, colocaram o navio no campo oposto ao Movimento Militar, pretendendo
marcar uma posição da Marinha de oposição ou, no mínimo, de dissuasão do
Movimento Militar.
O navio não estava nem tinha sido ameaçado pelas forças de terra; a
guarnição e o navio estavam em segurança.
As manobras evasivas criaram um sentimento de alerta no Posto de Comando
e nas forças do Movimento Militar, colocando em risco a segurança do navio, que
passou a ser seguido pelas peças de Vendas Novas, posicionadas em bataria no
Cristo Rei, e por um carro de combate na Ribeira das Naus. Estas forças haviam
recebido ordens do Posto de Comando para se defenderem e protegerem.
As manobras do Comandante terão sido naturalmente induzidas pelas ordens
que recebe do EMA, mas não foram adequadas à situação. Puseram o navio do lado
do regime vigente.
O facto de o Comandante não ter, sequer, considerado as ordens que o
navio recebeu do Posto de Comando do Movimento Militar não facilitou a nossa
tarefa. Essas ordens do Posto de Comando visavam, por um lado, tranquilizar as
forças do Movimento e, por outro, retirar o navio da zona de risco em que se
encontrava.
Para nós, Movimento da Marinha, esta era mesmo a parte mais importante,
uma vez que a “tranquilidade dos revoltosos” no Posto de Comando já fora obtida
com a comunicação do oficial Imediato de que a situação estava controlada a
bordo e o navio não abriria fogo.
b) “Decisão - de que os oficiais tiveram conhecimento - de não fazer fogo para o
Terreiro do Paço, caso essa ordem fosse dada, no
seguimento de instruções superiores.” [16]
Em reunião havida, apenas, com o Imediato e os
Tenentes Almeida Moura e Varela Castelo, equacionou o Comandante “as três alternativas que encarava para a sua
actuação no caso de ataque ao navio vindo de terra”[17]. Eram elas: “a fuga, passividade e reacção e afirma que nessa eventualidade,
optaria pela reacção”.[18]
Deste modo, a
informação que aqueles (e só aqueles) oficiais
receberam era
a de que o Comandante optaria pela reacção, caso fosse atacado.
De notar que o Comandante havia dado ordem “para municiar as peças com granadas de alto
explosivo”.[19]
Nessa reunião, “conforme o próprio Comandante afirmou, o Imediato por duas vezes
tentou falar-lhe e que não foi atendido”[20], ninguém
mais se pronunciou, uma vez que, face a esta atitude, os oficiais presentes
entenderam que o Comandante não estava a auscultar a sua posição, mas apenas a comunicar-lhes as suas
decisões perante os cenários que se apresentavam.
c) “Decisão de não resolver, com a fuga do
navio, a situação difícil em que se encontrava.” [21]
O Comandante Seixas Louçã teria sido avisado
para bordo por uma mensagem dum oficial do
Estado-Maior seu amigo que lhe disse “Você
tenha cuidado com os tanques no Terreiro do Paço porque eles estão a
preparar-se para fazer fogo contra si”.[22]
Em consonância com este aviso, o
Comandante aumentou a velocidade do navio “por considerar salvaguarda suficiente para
essa segurança a movimentação do navio a alta velocidade como se passou a
verificar a partir de certa altura da manhã”.[23]
Mesmo depois de
avisado pela comunicação do Movimento de que poderia ser alvo das peças de
artilharia do Exército postadas no Cristo-Rei, o Comandante não só não obedeceu
à ordem do Movimento, como não tomou a iniciativa de “tocar a postos de combate”, única situação de máxima segurança
para um navio ameaçado por fogo inimigo. O navio nem sequer navegava em “postos de faina”, situação de menor
segurança do que a anterior mas superior à da navegação "a quartos” em que se encontrava.
Desrespeitando a ordem de abandonar o local, saindo a barra com as peças
em baixo ou, em alternativa, fundear dando indicação visível das suas intenções
pacíficas, decidiu o Comandante Seixas Louçã continuar numa situação de
aparente hostilidade (que as peças a 85º aparentemente não desmentiam) sem
tomar as medidas mais adequadas para conseguir a segurança do navio e da sua
guarnição.
Valeu à segurança da fragata e dos seus elementos a garantia dada pelo
Imediato ao Posto de Comando do Movimento de que a
fragata não faria fogo por os seus
oficiais já o terem recusado, o que
evitou que fosse bombardeada pelas peças posicionadas no Cristo-Rei.
d) “Recusa em cumprir a ordem de baixar as
peças e sair a barra, ordem essa dada em nome do Comando do Movimento, cuja
origem, constituição e objectivos desconhecia totalmente”. [24]
De facto, a ordem que foi dada pelo Posto de
Comando do “Movimento” à fragata “Gago
Coutinho” foi, em alternativa:
1)
Sair a barra com
as peças em baixo, isto é, na horizontal;
2)
Fundear.
Admite-se que o Comandante só tenha escutado a
primeira parte da ordem por ter, entretanto, interrompido desabridamente o
Imediato, mandando-o calar à frente de todos os presentes na ponte de comando -
oficiais, sargentos e praças - e injuriando-o, de cabeça perdida e totalmente
fora de si.
O Tenente Palhinha, que se
encontrava de quarto na ponte, diz que “o imediato tenta transmitir a mensagem ao
Comandante e fá-lo parcialmente mas é mandado calar pelo Comandante, que
evidencia nervosismo”. [25]
“Não se
poderá, portanto, excluir a hipótese de, no caso de ter havido da parte do
imediato a intenção de dar a conhecer ao Comandante a informação que dera ao
“Movimento”, ter sido impedido de o fazer pelo próprio Comandante, que não lhe
teria permitido completar a sua transmissão”. [26]
Se o Comandante não foi esclarecido quanto à
transmissão da ordem do “Movimento”, somente a si o deve, uma vez que não teve
a serenidade e lucidez para escutar o Imediato e pedir-lhe todas as
informações que julgaria necessárias para uma decisão fundamentada.
Interrompendo-o a meio do discurso, como interrompeu, e injuriando-o como
injuriou, o Comandante Louçã fez jus
ao superior hierárquico que, na sua informação, lhe apontou um “trato difícil e manifestações temperamentais
de fundo agressivo, que o tornavam pouco agradável nas relações de serviço”. [27]
Nem se diga, como quer o historiador António Louçã, que o operador da
mensagem transmitida à fragata, Tenente Lourenço Gonçalves, quis ocultar a sua
identidade fazendo uma chamada anónima em que a não revelou.[28]
É que, não conhecendo possivelmente de comunicações mais do que o comum
dos utilizadores sabe acerca de chamadas telefónicas civis, o dito historiador,
na defesa exacerbada que faz, compreensivelmente, do comportamento de seu pai,
ignora que nas transmissões radiotelefónicas militares o operador não se
identifica, sendo tão-somente identificadas as entidades transmissora e
receptora, respectivamente o Posto de Comando do Movimento e a fragata.
Esta ignorância, natural num civil, não aproveita, porém, à defesa da
tese do Comandante, conhecedor dos procedimentos radiotelefónicos militares.
Tendo interrompido inopinadamente a comunicação do Imediato, nunca
ocorreu o diálogo entre comandante e Imediato sobre a identificação do operador da mensagem
recebida do Movimento e relatado na peça do historiador António Louçã, pelo que
ele é totalmente apócrifo.[29]
e) “Início da destituição do imediato por
aparentar estar incapacitado para poder continuar a desempenhar cabalmente as
suas funções” [30]
“Em face
da decisão do Comandante em destituir o Imediato e tendo sido chamados,
sucessivamente, para o substituir os Tenentes Varela Castelo e Palhinha, estes
oficiais recusaram-se a assumir o cargo”.[31]
“O
Tenente Palhinha entra em diálogo com o Comandante no sentido de lhe demonstrar
que não lhe parecia aconselhável a destituição”.[32]
“Em face
da intervenção do Tenente Palhinha o Comandante teria desistido da destituição
do Imediato embora não o tivesse feito de forma explícita”. [33]
Dizer que o Comandante iniciou a destituição do Imediato é um puro
eufemismo. O Imediato foi, de facto, destituído e, em face disso, foram logo
nomeados para assumir essas funções os dois oficiais da classe de Marinha que
se lhe seguiam em antiguidade, conforme determina a Ordenança do Serviço Naval,
só não se tendo efectuado a substituição porque estes se recusaram. Não
prosseguiu, depois, o Comandante nos seus intentos porque, face às palavras avisadas do Tenente
Palhinha, receou ter insucessos com as nomeações dos restantes oficiais.
Face à impossibilidade de nomear outro Imediato, o Comandante aceitou, implicitamente, a continuação em
funções do Imediato titular que, legalmente,
teria de continuar a assegurar estas funções, uma vez que não tinha um
substituto a quem as entregar.
f) “Reunião com todos os oficiais, após a
desocupação do Terreiro do Paço pelas forças revolucionárias, com o objectivo
de analisar a actuação passada e de preparar o navio para os acontecimentos que
porventura viessem ainda a surgir”
Pelas 13h.20m o Comandante reuniu-se com os
oficiais na câmara de oficiais. Em cima da mesa colocou, ostensivamente, uma
pasta de arquivo verde, onde se podia ver escrito em grandes letras a palavra
"REVOLUÇÃO".
“O
imediato juntamente com quatro oficiais - Varela Castelo, Ferreira Duarte, Silva Neves, e Teixeira
de Melo, -
apresentam a versão de que a reunião teria por objectivo o desejo de o Comandante saber
de cada um dos oficiais, ouvidos individualmente, se confirmavam a recusa de
fazer fogo que lhe teria sido transmitida, em nome de todos os oficiais, pelo
oficial imediato. Em face da resposta unânime e afirmativa de todos os
oficiais, o Comandante teria considerado os mesmos como insubordinados”.[34]
Por seu lado, o tenente Palhinha diz: “O Comandante reunira todos oficiais para
lhes comunicar que desconhecia a evolução da situação em terra mas que queria
averiguar o que se tinha passado a bordo no que respeitava à recusa que
considerava ter havido da parte de alguns oficiais, quanto ao cumprimento da
ordem de fogo de exercício para o ar. Durante esta reunião o Comandante referiu
a palavra insubordinação mas não se lembra da fase em que a empregou e a
intenção”.[35]
O Tenente Moura afirma que o Comandante teria
reunido todos os oficiais “para
esclarecer totalmente os acontecimentos, procurando saber se todos os oficiais
teriam tido deles conhecimento e confirmar a posição dos oficiais,
individualmente, perante a recusa do cumprimento da ordem de fogo de salva. A
cada um dos oficiais foi perguntado se a ordem de abrir fogo lhe tivesse sido
dada, directamente, se cumpriam ou não essa ordem. Perante a resposta unânime o
Comandante considerou-os «insubordinados». [36]
O Tenente Teixeira refere: “O Comandante procurou saber de cada um dos
oficiais se numa situação daquelas se recusavam a fazer fogo. Em face da
resposta unânime afirmativa, o Comandante chamou a atenção dos oficiais para o
facto de tal atitude corresponder a uma insubordinação”.[37]
O Tenente Gaspar declara: “O Comandante perguntou a todos os oficiais caso a ordem de fogo
tivesse sido dada a cada um deles se a teriam cumprido. O Comandante perante a
resposta unânime e negativa lembrou que se tratava de um caso de insubordinação”.[38]
Finalmente, o chefe do Serviço de Artilharia,
tenente Dores Sousa, declara: “O
Comandante inquiriu de cada oficial se se recusaria a abrir fogo, tendo a
resposta sido afirmativa. Após essa resposta dos oficiais, o Comandante
disse-lhes que os considerava insubordinados. [39] Quanto ao objecto de o Comandante fazer
aquela reunião crê que teria
sido o de confirmar a posição de cada um dos oficiais perante a recusa de fazer
fogo, que lhes havia sido transmitida pelo imediato”.[40]
Se os motivos da reunião foram os indicados na exposição do Comandante
Seixas Louçã, nenhum dos dez presentes tal ouviu ou entendeu.
Mas se, como o Comandante diz, nunca deu ordem de fazer fogo para o ar,
não se compreende o objectivo desta inquirição!
Ao responder como responderam, todos os oficiais eram cientes de que
estavam a admitir a prática dum crime de insubordinação colectiva que, no
regime político anterior, os poderia levar
provavelmente ao Tarrafal, conforme sucedera aos marinheiros da revolta de 1936.
Bem os advertiu o Comandante, no final da
reunião, de
que cada um deveria assumir as suas responsabilidades, pois ele assumiria as suas.
Significativamente, ao sair pela última vez do
navio e enquanto lhe eram prestadas as honras militares a que tinha direito mau
grado os acontecimentos que haviam ocorrido, o Comandante Seixas Louçã
fez questão de recordar ao oficial Imediato e ao oficial de serviço — o Tenente
Moura — que ainda se iriam arrepender da atitude tomada.
Para melhor entendimento dos acontecimentos ocorridos a bordo da Fragata
Gago Coutinho junta-se sequência cronológica, elaborada pelo imediato e pelos
oficiais do navio
7 - Posição da Marinha
Sobre os dois autos de averiguações levantados, o primeiro em Maio de
1974, por iniciativa do Comando Naval do Continente, e o segundo, em Março de
1976,a requerimento do Comandante Seixas Louçã, não foi exarado qualquer
despacho pelo Chefe do Estado-Maior da Armada.
O Comandante Seixas Louçã requereu, depois, a apreciação do seu
comportamento ao Conselho Superior de Disciplina da Armada, que, esse sim, foi
objecto de um despacho final, onde o CEMA afirma «Não ter a sua actuação no dia
25 de Abril de 1974, no Comando do NRP “Almirante Gago Coutinho” posto em causa
a sua honra e dignidade de oficial da Armada».
Tão-pouco nós, oficiais do Movimento da Marinha, a pusemos alguma vez em
causa.
Vítor Manuel
Trigueiros Crespo
Contra -Almirante, na situação de reforma, ao tempo Capitão-Tenente da
Classe de Marinha; (representante da Marinha no posto de Comando do Movimento
Militar)
Manuel Beirão Martins Guerreiro
Contra-Almirante, na situação de reforma, ao tempo Primeiro Tenente da
Classe de Engenheiros Construtores Navais; (Elemento da Comissão Militar do
Movimento da Marinha)
Carlos de Almada Contreiras
Capitão de Mar-e-Guerra, na situação de reforma, ao tempo Capitão-Tenente
da Classe de Marinha;(Chefe do Centro de Comunicações da Armada )
Jorge Manuel de Sousa Lourenço Gonçalves
Capitão de Mar-e-Guerra, na situação de reforma, ao tempo
Primeiro-Tenente da Classe de Marinha;( oficial submarinista da Esquadrilha de
Submarinos)
Fernando Luís Caldeira Ferreira dos Santos
Capitão de Mar-e-Guerra, na situação de reforma, ao tempo
Primeiro-Tenente da Classe de Marinha e Imediato do navio;
António Joaquim Almeida de Moura
Capitão de Mar-e-Guerra, na situação de reforma, ao tempo
Primeiro-Tenente da Classe de Administração Naval (Chefe do Serviço de
Abastecimentos)
Joaquim Filipe Figueiredo Alves
Gaspar
Capitão de-Mar-e-Guerra, na situação de reforma, ao tempo Segundo-Tenente
da classe de Marinha (Chefe do Serviço de Navegação)
Hélder Correia Loureiro
Capitão de Mar-e-Guerra, na situação de reforma, ao tempo Subtenente do
Serviço Especial (Adjunto do Chefe de Serviço de Comunicações)
João António Ferreira Duarte
Capitão
de Fragata , na situação de reforma, ao tempo Primeiro-Tenente EMQ (Chefe do
Serviço de Máquinas)
Manuel Carlos dos Santos Teixeira de Melo
Capitão de Fragata ECN, na situação de reforma, ao tempo Guarda-marinha EMQ
(Adjunto do Chefe de Serviço de Máquinas)
[3] - A fls. 249 verso e 250 do relatório do auto de
averiguações elaborado pelo Contra-Almirante Santos Silva.
[14] - Contra- Almirante Vitor Crespo – in “ A Fragata
«Almirante Gago Coutinho» no dia 25 de Abril de 1974 - O Comandante e a
Guarnição - Anais do Clube Militar Naval, Vol. CXXIV, págs. 912 a 914.
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